“Dentro da realidade do Judiciário, temos formas até diferentes de trabalho, a depender da competência de cada juiz. Na verdade, é o trabalho de uma orquestra, na qual o maestro também toca seu instrumento e ainda precisa gerir. É uma atividade que exige muito”, explica Ana Cristina, que também é diretora do Fórum das Turmas Recursais do Estado.
Superintendente da Área Judiciária do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), Nilsiton Aragão concorda com a juíza. “Usando um termo atécnico, a gente não pode colocar uma faca no pescoço do juiz, para ele julgar rápido, porque sabemos que velocidade e qualidade são grandezas inversamente proporcionais, principalmente em áreas mais sensíveis como Criminal e Família”, analisa.
Nilsiton fala isso após o grupo dos 402 juízes de Primeiro Grau do Estado ter sido considerado, em 2017, o menos produtivo do País, com menor índice de baixas de processos. Os dados são do relatório Justiça em Números, publicado em agosto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O documento é a principal fonte de estatísticas oficiais do Poder Judiciário nacional. No ano retrasado, o Ceará já apresentava a pior marca de produtividade.
No ano passado, cada magistrado do TJCE conseguiu dar baixa em 908 casos, em média. Os juízes cariocas, que ficaram em primeiro lugar neste ranking, conseguiram finalizar 365% a mais, ou seja, cada um finalizou média de 3.321 processos, no ano.
“O CNJ só considera um processo finalizado quando ele é arquivado. Estamos inclusive tentando demonstrar no CNJ que, dada a sentença, acaba o trabalho do juiz, porque isso vem travando um pouco nossos números”, destaca o presidente da Associação Cearense dos Magistrados (ACM), Ricardo Alexandre Costa.
“Fico muito preocupado nessa pretensão que se tem de transformar o magistrado, o servidor, a produção judicial, numa esteira de produção. Como se fosse possível aplicar a filosofia do fordismo à atividade jurisdicional. Não dá”, resume Nilsiton, que também é professor do curso de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor). Ele critica a padronização do cálculo e a compreensão parcial da realidade da magistratura.
As causas do problema
O Estado tem acervo de 1,16 milhão de processos e média de 400 mil processos novos, todo ano. O número é igual ao julgado, anualmente (395.496 julgados, em 2017). Ou seja, o passivo processual continua “empacado”. Uma das razões é a falta de 114 magistrados (20% das vagas) no quadro do TJ, conforme cálculo do CNJ. A vacância é uma dos impossibilitadoras de vazão ao passivo.
Para o coordenador do Grupo de Descongestionamento Processual do Ministério Público do Estado (GDESC/MPCE), promotor Lucídio de Queiroz, o excesso de questões levadas à Justiça é outro agravante. O volume de causas de menor complexidade se acumula, o que não ajuda na diminuição do passivo processual. Em 2017, a taxa líquida de congestionamento, no Tribunal cearense, foi de 74%.
“Existe um excesso absurdo de judicialização de demandas. Quarenta por cento do que entra para ser analisado é demanda trabalhista ou de cobrança de dívidas. Nós temos ações tramitando na Justiça por causa de R$ 50, R$ 60”, exemplifica Lucídio.
E o Ceará é o Estado que menos investe em Justiça, proporcionalmente. Por habitante, são R$ 125,30 ao ano, enquanto a média nacional por habitante é o dobro, R$ 251. O TJCE é claro: com mais recursos, seria possível contratar mais servidores e magistrados.
O orçamento permitiu a contratação de 50 juízes. O concurso está em andamento e a previsão de posse é ainda no primeiro semestre de 2019. O reforço precisa ser acompanhado ainda pela contratação de novos servidores, mas o orçamento do ano que vem não antecipa cenário ideal.
A Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado (Seplag) informou, em nota, que, “em razão das exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal e atento ao equilíbrio de suas contas, não prevê para no Orçamento 2019 gasto extraordinário com nenhum dos poderes”.
O titular da Seplag, Maia Júnior, disse que o nível de investimento mão será “proporcionalmente aumentado e/ou tampouco reduzido”. Na avaliação do secretário, “o importante é manter o estado funcionando a contento, pagando seus servidores e fornecedores pontualmente; e mantendo uma margem para novos investimentos”.
Cenário do Interior do Estado
O presidente da Associação Cearense dos Magistrados (ACM), Ricardo Alexandre Costa, acredita que o momento é de aguardar os resultados de ações como a criação de vagas de assistentes nas comarcas (em maio de 2017) e de varas metropolitanas e especializadas. “Só colheremos os resultados destas mudanças no médio e longo prazos”.
Em relação à área criminal, especificamente, Ricardo Costa avalia que o problema é maior no Interior, onde os juízes não são especialistas, ou seja, não trabalham só com homicídio. “Então, é onde há, muitas vezes, uma sobrecarga. E o número de juízes até pode ser suficiente, mas a estrutura de trabalho não é. Agora que estamos implantando a videoconferência e ainda sofremos com a quantidade insuficiente de servidores. Na (área) criminal, isso pode acarretar em atraso. Isso prejudica um pouco na velocidade dos julgamentos”, pontua.
“No interior, juízes que atuam em comarcas com uma ou duas varas têm sobrecarga maior. Além de julgar processos, tem toda a atividade administrativa para manter o fórum de pé, ordenar as ações dos servidores. Tem juízes que trabalham com um universo de 5 mil a 15 mil processos”, conta a juíza Ana Cristina Esmeraldo.
Pensando nisso, o TJCE reformulou a organização judiciária do Estado, criando novas 18 varas em 16 comarcas com grande volume processual. Já foram instaladas as varas de Ocara, Horizonte, Itaitinga, Canindé, Caucaia, Vara da Infância e da Juventude de Sobral e 2ª Vara de Família e Sucessões de Sobral. Ainda serão contempladas as comarcas de Maracanaú, Juazeiro do Norte, Iguatu, Russas, Acaraú, São Gonçalo do Amarante, Beberibe, Viçosa do Ceará, Trairi e Icó.
A Comarca de Sobral será contemplada também com o projeto Tempo de Justiça, em 2019, dentro do programa Pacto por um Ceará Pacífico. Hoje, a ação só acontece na Capital. Com a expansão do projeto, o julgamento de homicídios vai ser mais célere. O protocolo de cooperação interinstitucional envolve o TJCE, a Procuradoria-Geral de Justiça, a Defensoria Pública e a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
Em 2015, o tempo médio de tramitação de um processo de homicídio com autoria conhecida, na Capital, era 638 dias. Em 2017, foi reduzido para 278 dias, o que equivale a 56% de diminuição.
A desembargadora Francisca Adelineide Viana destacou que todas as instituições envolvidas melhoraram suas estruturas para ter esse desempenho, acrescentando juízes, promotores e defensores públicos auxiliares para cada uma das Varas do Júri, dobrando a capacidade de atuação delas. A magistrada ressaltou que as ações implantadas pelo Comitê “beneficiam ao sistema de justiça criminal como um todo, trazendo integração e cooperação entre as instituições, confiança e transparência ao Poder Judiciário”.
“Desse esforço comum das instituições, temos conseguido reduzir significativamente o tempo entre o fato (crime) e o primeiro julgamento”, frisa o promotor Manuel Pinheiro, coordenador institucional do Tempo de Justiça. O objetivo de finalizar os processos no tempo médio de até um ano já foi alcançado na Capital.
Segundo o Ministério da Justiça, o julgamento de homicídios no Brasil dura em média 8,6 anos, conforme estudo realizado em cinco capitais (Belém, Belo Horizonte, Goiânia, Porto Alegre e Recife).
Um exemplo de sucesso no escopo do programa foi o julgamento da Chacina do Padre Andrade, que foi acelerado e aconteceu em menos de um ano, no dia 12 de março de 2018. O crime, ligado à guerra de facções ocorreu em 30 de março de 2017.
Outras soluções apontadas pelo TJCE
Além do Tempo de Justiça, outros 14 projetos são realizados para agilizar a Justiça do Ceará. Um dos esforços tecnológicos e gerenciais é a transferência de recursos do Segundo para o Primeiro Grau, que concentra a maioria dos processos. Em 2017 foram realizados 297.927 mil julgamentos. Já em 2018, um ano após a mudança, o total chegou a 326.856, crescimento de 9,71%. Com isso, todos os juízes do Estado ganharam reforço de servidores comissionados, passando a contar com (além dos efetivos, terceirizados e estagiários) dois profissionais (supervisor e assistente). Antes, da lei, cada juiz contava com apenas um servidor comissionado (diretor de Secretaria).
A Justiça cearense ficou em primeiro lugar nacional, nos últimos dois anos, pelas conciliações. O índice de acordos nos processos passíveis de conciliação ficou em 25% e 21,1%, respectivamente em 2016 e 2017.
Já o Núcleo de Descongestionamento do Interior julga processos cíveis e criminais nas comarcas sobrecarregadas. Nos oito primeiros meses deste ano, foram mais de 15 mil sentenças e quase 3 mil audiências, em 15 comarcas.
Eventos do TJ concentram demandas e, assim, aceleram julgamentos. Exemplos são o Mês Nacional do Júri Popular; a Semana de Sentenças e Baixas Processuais; e a Semana da Justiça pela Paz em Casa, uma mobilização para julgamento de casos de violência contra a mulher.
Semana Estadual e Mês Nacional do Júri: teve início em 2014, durante uma semana, com sessões do júri popular. A partir de 2016, passou a ter duração de um mês, sendo realizado em novembro, em todo o país. Já o Ceará tem ainda a Semana do Júri, realizada em junho. Na edição nacional de 2017, o TJCE ficou em terceiro lugar entre todos os Tribunais de Justiça, com 336 sessões de julgamento. A edição nacional de 2018 está em andamento e terminará no dia 30 de novembro.
Semana da Justiça pela Paz em Casa: mobilização com julgamento de casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. É promovida desde 2015, em todo o país, com três edições a cada ano. A próxima ocorrerá em novembro de 2018. Na 11ª edição, realizada em agosto deste ano, o TJCE ocupou o primeiro lugar entre todos os Tribunais de Justiça, ao proferir maior número de sentenças e conceder maior quantidade de medidas protetivas, em relação ao total de processos da Lei Maria da Penha. A Justiça cearense atingiu índice de 21,2%.
Semana de Sentenças e Baixas Processuais: a primeira edição ocorreu em 2017, com a participação de juízes e servidores. O esforço foi concentrado em todas as unidades judiciárias cearenses, movimentando 80.031 processos. O número corresponde a cinco vezes a produção de um expediente normal. No total, foram julgadas 38.684 ações e baixadas 41.347. A próxima edição está programada para ocorrer de 26 a 30 de novembro de 2018. A finalidade é concentrar esforços na prolação de sentenças e efetivação de baixas processuais.
Novas Varas na Capital: a 4ª Vara de Delitos de Tráfico de Drogas da Capital já está em funcionamento e a especialização das Varas Cíveis de Fortaleza, permitiu que 13 delas atuem em demandas de massa. Houve ainda a especialização de duas varas da Fazenda Pública de Fortaleza (cuidam, exclusivamente, de processos envolvendo saúde pública) e a criação da Vara de Delitos de Organizações Criminosas.
Movimento de Apoio ao Sistema Prisional de Réus Multidenunciados (Masp): já está no terceiro ciclo (previsto para se encerrado em dezembro de 2018), agilizando o julgamento de processos de presos que respondem a várias ações criminais em Fortaleza. Magistrados da área Criminal fazem esforço conjunto para finalizar os processos, permitindo que os réus tenham a pena total por todos os delitos. Nos primeiros dois ciclos houve o julgamento de 636 e 444 processos, respectivamente. Nas duas mobilizações, 71 réus multidenunciados tiveram todos os processos analisados.
Núcleo de Juízes Criminais da Capital: atua em esforço concentrado para apreciação de pedidos de liberdade pendentes, assim como no julgamento dos feitos de presos provisórios que figurem como réus em uma única ação penal na Comarca da Capital.
Fonte O Povo
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